Postado em 16 de Abril de 2018 às 17h39

Samicler Gonçalves: O homem que se recusou a morrer

Cleiton Fossá Chapecó – O menino de camiseta branca e calça azul estava sentado em frente a sala. Movimentou os pés e mexeu rapidamente as mãos. Olhou de um lado para o outro. Repetiu duas vezes os movimentos...

Chapecó – O menino de camiseta branca e calça azul estava sentado em frente a sala. Movimentou os pés e mexeu rapidamente as mãos. Olhou de um lado para o outro. Repetiu duas vezes os movimentos com a cabeça. Pegou o tablet e fixou os olhos no horário. “Nove e oito”, expressou baixinho.

Uma, duas, três e uma sequência incontável de ruídos causados pela sola do calçado em contato com o chão. O menino exalava ansiedade em todos os seus movimentos. Sem demora, apareceu quem ele esperava. Brevemente o moço alto e magro abriu a porta e despertou a tranquilidade e satisfação do menino, que de imediato levantou como se fosse passar por um portal cheio de magia. Diversos traços e cores estavam expostos na sala. Foi nesse ambiente repleto de telas, folhas, lápis, pincéis e tintas, que Samicler Haziel Gonçalves partilhou sua história.

A criança dos sonhos coloridos, nasceu em Concórdia no dia 26 de abril de 1974. Foi no interior, em meio a bois, cavalos, plantações e caminhões, que Samicler teve os primeiros contatos com a arte. Por meio dos traços e das pinceladas, o tio delineava o modo de vida dos agricultores. O acesso aos materiais para os desenhos e pinturas era difícil no tempo. Entretanto, o tio deixava-o inspirado. Logo, o desejo de criar mundos era ainda maior. Assim sendo, quando conseguia lápis, tintas e papéis, Samicler sentava no palheiro e saciava a vontade de criar.

O convívio com o garoto que perdeu seus pais e foi criado por macacos em uma selva africana, só iniciou quando Samicler se mudou para Chapecó. Foi na capital do oeste catarinense que, aos sete anos, ele conheceu a televisão e assim tornou-se amigo do Tarzan e de tantos personagens famosos. O encanto pelo desenho se transformou em um meio para fazer amizades e inserir-se em lugares e contextos que desejava. Era muito mais fácil participar de uma partida de futebol, se o menino distribuísse os desenhos para os seus colegas.

Da selva para os cowboys. Do velho oeste, dos boiadeiros para o “superamigos” e todos os desenhos que ressaltavam o corpo humano. O hobby se tornou o caminho de tijolos que indicava a direção certeira para a sua grandiosa profissão. No auge de sua carreira, quando o seu trabalho coloriu às páginas dos gibis norte-americanos, Samicler passou por dificuldades.

Todos os traços desse grande desenho chamado de “vida” foram apagados e, em questão de segundos se tornou uma tinta preta que cobriu todo o papel. Samicler conheceu um lugar sem energia, sem luz e sem vida. De todas as ambulâncias que foram chamadas, somente a sexta pôde atendê-lo.

Os segundos de silêncio libertava o sentimento de dor. Naquela sala rodeada de super-heróis, Samicler reviveu – nas memórias – a sua história calado, pois os gritos não saiam com a força da voz, eles apenas eram sentidos, pareciam estar isolados em uma sala acústica. Quietação, não havia nenhum tipo de som, mas o silêncio soube gritar. “Morri no hospital”, disse Samicler. Porém, as palavras foram ditas num tom baixo, como se não quisesse impedir o silêncio de falar por si só.

Após tirar parte do tumor que diminuía o tempo de vida de seu paciente, o médico não deu detalhes sobre os exames, apenas frisou “você só precisa fazer o que mais gosta”. Samicler não sabia que estava numa maratona contra o tempo. Tampouco soube pelo doutor. Se as paredes têm ouvidos, foram elas que também espalharam o que a secretária do médico contado no salão de beleza.

O diagnóstico foi descoberto primeiramente por todos os seus conhecidos, até que finalmente chegou em seus ouvidos. “Câncer”, nem o zodíaco, nem o caranguejo mereciam ser relacionados a esta expressão. A palavra prevê a vida de um, ao mesmo tempo que pode tirar a vida do outro. Escutá-la com a dor, sem presságio e misticidade do signo, é o desafio mais rigoroso que alguém precisa superar.

O tumor cresceu e não foram 10 ou 15 vezes mais. Ficou 40 vezes maior. Logo, esse crescimento rápido que comprimia o cérebro, precisava de controle. Assim sendo, outra cirurgia foi realizada para tirar parte do tumor. Porém, duas cirurgias não foram suficientes. O doutor deixou claro, “Você pode escolher se deseja fazer a terceira cirurgia. Mas têm 5% de chance de dar certo”.

Samicler sempre acreditou em uma força maior, algo ou alguém que pudesse fazer o que o homem, mesmo com anos de estudo, é incapaz. Portanto, leal a sua crença, deitou-se no chão, pois era forma mais baixa que poderia ficar diante de Deus. Mesmo que o médico não acreditasse em Deus, antes de aceitar e realizar a última cirurgia, Samicler pediu a intervenção divina.

Ninguém nunca naquele local entrara sorrindo ao saber que a morte poderia fazer uma visita. Porém, Samicler entrou no hospital em paz e com um sorriso que não coube no rosto. Nunca desejou o fim de sua vida. Todavia, deixou registrado em um livro as orientações para o seu filho.

Se o contato de uma agulha com a pele é irritante, nove agulhas no braço não parece algo muito agradável. Amarraram as pernas e os braços. Em seguida mais nada era possível enxergar, estava novamente em meio de um blackout. Outra vez morreu. Em sua rápida viagem sem destino, Samicler pôde escolher entre dois caminhos. No trajeto à sua direita, justamente no braço o qual sentiu as últimas picadas, uma cidade vazia, triste coberta por um grande lençol marrom e folhas secas.

O caminho de mato à esquerda levava ao lugar que talvez qualquer ser vivo desejaria conhecer. Naquele ambiente as cascatas eram baixas, o movimento da água era sereno e, no fundo dos riachos as pedras preciosas emitiam luzes coloridas. Nem a população de Holambra em São Paulo, nem a população de Amsterdam na Holanda em algum momento puderam presenciar tantas flores. Quantas cores e cheiros. Flores, flores e flores…

Da escuridão, sem malas prontas, o homem viajou para um lugar belo. Entretanto, a viagem ainda custava muito. Uma vida? É demais! O passeio precisou ser adiado. Quem sabe um dia, pois todos farão essa viagem e de preferência sem planos. Samicler, acordou. Samicler, reviveu. “Samicler, outra vez, se negou a morrer”, disse o médico.

Novamente muitos exames foram realizados e o improvável aconteceu. Uma cachoeira escorreu pelos olhos, o doutor não soube conter as emoções. O tumor sumiu e, por mais que o médico não duvidasse de sua experiência e conhecimento profissional, um milagre ocorreu. Até mesmo a ressonância que indicava que o paciente estava cego, não tinha sentido nenhum, ele estava sentado à sua frente e era capaz de ver qualquer coisa.

Ao saber que o pai estava careca, “carequinha” o menino foi buscá-lo no hospital. Desta forma, Samicler percebeu que não precisava traçar o Batman para ser reconhecido, não havia necessidade de atuar no mercado internacional. Ele precisava viver o momento, precisava ficar ao lado de sua família.

“Temos uma cultura destrutiva e egoísta, independente de quem sofra. Tento criar minhas histórias num contexto que agrega valores morais e sociais. Guie seu filho para que ande na luz, cuide para que você não precise carregá-lo pra fora das trevas”. Uma de suas principais obras, o personagem Cometa, hoje desconstrói as características de um super-herói com poderes. A principal arma deste personagem cultiva a paz e salva o mundo por meio dos valores e de temas relevantes. “A vida é simples, nós que tornamos tudo difícil. Não percebemos o quanto as pessoas são importantes. Não valorizamos os sentimentos partilhados em um único abraço”.

O menino de camiseta branca e calça azul novamente estava sentado, mas não movimentou os pés e mexeu rapidamente as mãos. O menino de camiseta branca e calça azul já estava no lugar que tanto queria, pois era naquele espaço pequeno, mas cheio de magia, que ele criava o seu próprio mundo. “Preciso de ajuda”, gritou Fred. O menino de camiseta branca e calça azul era um dos alunos do Samicler. O menino de camiseta branca e calça azul expressava em cada movimento, que não desejava sair tão cedo daquele universo. O menino de camiseta branca e calça azul é um entre tantos que ensina valores e, do mesmo modo divide um mundo com o Samicler.

“Se eu precisasse escolher entre a vida que eu tinha antes do câncer e a vida de agora, eu passaria por tudo novamente para ter a vida que tenho agora”, concluiu Samicler.

 

Alessandra Favretto, Assessoria de Comunicação Cleiton Fossá

Veja também

Fossá volta a pedir padronização dos pontos de ônibus20/01/16 Chapecó - A Lei Municipal 5.669/2009, que trata sobre a padronização dos abrigos de passageiros do transporte coletivo de Chapecó, foi aprovada pela Câmara de Vereadores em novembro de 2009. Mais de seis anos depois, entretanto, ela ainda não entrou em vigor. O motivo é que o cronograma para padronização dos pontos de ônibus deveria acontecer a partir de um decreto municipal, que ainda não foi publicado pelo poder......

Voltar para NOTÍCIAS