Chapecó – Inverno, 18º na manhã de sexta-feira, pontualmente às 10h, ele estava em seu lar, mas não literalmente na residência onde vive. Torres Pereira! Rodeado por mesas e estantes de livros, na calmaria do som ambiente que, vez ou outra, entrava em sintonia com o som da máquina de café. Logo, o aroma do grão e da canela é marca registrada do ponto de encontro dos escritores, o Café Brasiliano.
Frequentemente, Torres era visto pela rua Marechal Bormann, apressado com uma pasta preta na mão, em direção ao café. Os vizinhos do estabelecimento, que passavam pelo escritor e abanavam sem pronunciar uma palavra, revelaram que existia um vínculo, já era de suspeitar que Torres já havia se tornado um integrante da casa.
Quando questionado em relação ao ano que nasceu e as principais fases de sua vida, Torres, jornalista e escritor experiente, ressaltou: “Alguns momentos prefiro que consulte no livro, descrevo os detalhes”. Deste modo, o autor fez um de seus papéis: despertar curiosidade.
O português é natural de Lisboa. Um dos momentos mais marcantes de sua vida foi o período que participou da Guerra Colonial Portuguesa.
Então, Portugal desencadeou os confrontos contra as províncias ultramarinas da África entre a década de 1960 e metade de 1970. Torres, um combatente da guerra no norte de Moçambique, fronteira com a Tanzânia, escolheu o continente africano para viver. “Quando lembro dos meus companheiros vem ‘aquela’ saudade. Onde estão? Será que eles também sentem saudade? É terrível! Um sentimento, uma experiência horrorosa”.
Ainda em Moçambique torna-se editor da revista Poing. Em 1972 lança o primeiro livro, posteriormente o segundo em Lourenço Marques, conhecida como Maputo, e respectivamente em Johannesburgo. Mudou-se para a República da África do Sul e por conseguinte o destino escolhido foi Zimbábue. Percorreu a terra africana, conheceu outros países da região e, outra vez, mudou-se. Chega ao Brasil em 1976, durante o governo de Ernesto Geisel. Torres, vive em São Paulo por três anos e escolhe a capital paranaense para morar, Curitiba. Mas foi no Oeste catarinense onde escolheu a sua residência fixa. Meados anos de 1990, em uma cidade com cerca de 130 mil habitantes, Torres encara os seus desafios.
“Você não vai ficar muito tempo em Chapecó, logo voltará a Curitiba”, um empresário afirmou para o escritor. Certamente acreditou que o município não era o local ideal para produzir e oferecer livros. Torres bateu palma deslizando as mãos em sentidos opostos, deu um pulinho sentado na cadeira e falou rapidamente. “Eu fiquei em Chapecó por uma questão de teimosia”.
Inquieto e animado com a história do empresário, o escritor ergueu o braço e chamou “Miguel”. Disperso da conversa, sussurrou “Onde está, Miguel?”. Novamente falou, “Miguel?”. Imediatamente Miguel saiu detrás do balcão e foi ao encontro de Torres. “Miguel, você pode trazer um cappuccino com água para mim?”. Caiu na gargalhada. “Eu brinco porque não posso pedir um café sem água”. Riu de novo, agradeceu e concentrou-se para voltar a conversa.
“Esse meu amigo empresário detestava ler. Aprendeu com os meus livros. Anteriormente eles diziam ‘veio o português vender livros’, hoje questionam ‘já tem livro novo?’. Ele criou o hábito da leitura, eu me divirto. Não voltei a Curitiba porque ‘aqui’ tem espaço para a leitura. Vim preencher uma lacuna, que na época era enorme”, ressaltou.
A lembrança que Torres relatou sobre o empresário, revela características parecidas do autor ao contar o livro que escreveu em homenagem a um amigo, obviamente especial. A obra “Levado pela arte e a aventura”, que Torres Pereira colocou sob a mesa delineada pelos quadrados da geometria nas cores azul e amarelo, relata a trajetória de seu amigo Agostinho Duarte, artista plástico que Torres conheceu em Maputo.
Duarte e Torres coincidentemente escolhem a região oeste de Santa Catarina. Surpresa principalmente para o escritor, que descobre a presença de Agostinho e outro luso e poeta, Silvério da Costa, por meio de uma entrevista para o jornal Diário da Manhã, onde foi questionado pelo diretor-chefe o motivo de “todos” os portugueses escolherem a vida de artista. Foi assim que Torres descobriu que não era o único luso a viver em Chapecó.
Agostinho Duarte incentivou as pinceladas, assim como Torres estimula a leitura. Duarte criou um movimento para instigar a arte e cultura, cada um provou do seu modo que a arte não se limita a grandes centros litorâneos, está presente no interior. “A literatura é o ar que respiro. Minha comida! Sou emotivo e busco deixar o meu exemplo de vida”, salientou Pereira.
Torres Pereira, arrastou sua obra para o canto da mesa, colocou todos os seus livros enfileirados, olhou a mesa ao lado e perguntou: “Vem amanhã?”. O senhor, com uma camisa azul xadrez e boina cinza, que estava lendo o jornal, respondeu “Provável”. Levantou-se para ir embora. Torres falou “Tchau, Silvério”. Ele era um dos seus amigos lusos, que também homenageou Duarte.
Sem marcar horário, Torres e Silvério deixaram perceptível, por meio das poucas palavras, o quão se conhecem, a conexão neste caso é o principal símbolo da amizade. “Preciso ir também, só quero contar um segredo. Antes de ir embora, não pode passar por Miguel sem aguardar no confessionário. É sagrado! Para voltar, o melhor é pagar a conta”, concluiu Torres.
Alessandra Favretto, Assessoria de Comunicação Cleiton Fossá