Amor diamante: conheça a história de Maria e Theodósio Favretto
Na casa da "dona" Maria e do "seu" Theodósio, as estações dão características ao local ano a ano. No último verão, sabores variados de sorvete, picolé e geladinho estavam prontinhos no "freezer". Mesmo com a casa cheia, principalmente no período de férias, nenhuma visita foi embora sem experimentar o agrado. E para a alegria dos nove netos, Maria disse mais de uma vez "Pode pegar mais. Pega até que tem...".
As folhas secas do parreiral de uva no quintal da casa caracterizam o outono. O inverno é lembrado pelo som da campainha, poucas vezes alguém arrisca sair no frio. A casa fica fechada e a família se reúne na cozinha ao redor do fogão a lenha. Chimarrão, pinhão, milho e batata-doce sempre tem de sobra.
Sobre a primavera... ela nos recebeu. A entrevista estava marcada para as 13h30 da última quinta, dia primeiro. Em frente à casa de tons verdes, prevaleceu o colorido das flores que, de forma mística, simbolizou as "boas-vindas". Cravos, rosas, hortênsias e vincas florescem há 25 primaveras e, fazem companhia para o casal e a filha, Nair, todo fim de tarde.
As flores fazem parte da família Favretto desde quando moravam no interior. Maria Dileta Arini Favretto, nasceu dia 28 de agosto de 1931 em Paiol Grande, hoje Erechim.Theodósio Favretto, nasceu dia 14 de agosto de 1938 em Guaporé, Serra Gaúcha. Entretanto, foi no município de Jacutinga onde se conheceram.
"Nos conhecemos no matinê. Eu dançava com uma e dançava com outra... até que eu e a Maria começamos a namorar. Mas naquela época tinha respeito, precisa pedir autorização. A gente se encontrava só no sábado à noite e no domingo depois das 13h30", ressaltou Theodósio. Maria, em seguida, afirmou "Uma vez só sábado e domingo pra se encontrar, não na quarta. Agora as pessoas se encontram pra namorar na quarta também, acho que todo dia até".
Namoraram durante cinco anos. Antes de ser chamado para o exército, Theodósio noivou com Maria. Logo, ele fez a avaliação e, retornou no período de um mês. No dia 09 de maio de 1959, resolveram se casar e foram morar com os pais de Theodosio, Maria Bresolin Favretto e Franscisco Favretto.
Na casa amarela, no terreno que Franscisco deu para Theodósio, onde formaram sua família e, juntos enfrentaram todas as dificuldades de morar no interior em um tempo que não tinha eletricidade e nem água encanada. A carne de porco era cozida e guardada num pote. A carne de gado ficava secando no sol, prática conhecida como charque. Para conservar o milho era necessário cavar a terra, colocar um plástico, o milho, fechar o plástico e cobrir com terra.
"Pra iluminar a casa a gente colocava querosene no lampião. Água? Tudo do rio. A gente ia tomar banho no rio. Quando estava muito frio, a gente buscava água e colocava esquentar. Comida era tudo feito no fogão a lenha. Pra lavar a roupa a gente se ajoelhava numa tábua na beira do rio e lavava", ressaltou Nair. Maria ainda explicou como utilizavam a patente. "Era uma casinha com coberto. Daí quando entrava tinha um quadrado com um buraco no meio. A noite ninguém saía, porque ficava longe a patente, daí deixavam um penico embaixo da cama caso precisasse". Theodósio acrescentou, "Não tinha descarga, tinha um buraco na terra e tudo que a gente fazia ia pra lá. Era como uma fossa, só que ficava tudo aberto, dava pra enxergar tudo e o cheiro não era bom".
"Pra se limpar, então... Pra se limpar precisava pegar sabugo de milho ou capoeira", disse Nair. Para relembrar esse tempo, Theodósio faz artesanato. Criou um porta papel-higiênico. É uma caixinha de madeira. Dentro tem um sabugo de milho que fica protegido pelo vidro, também tem um martelo pendurado na caixinha e um aviso "Em caso de emergência, quebre o vidro". Assim, com muito bom-humor contam de que forma viviam no interior. Maria começou a rir. "No tempo da vó, nem roupa por baixo do vestido ela usava. Lembro que ela ia na estrada e fazia xixi em pé", ressaltou.
Maria disse, "O nascimento das crianças também não foi tão fácil". Maria e Theodósio tiveram seis filhos, respectivamente, Ivone, Nair, Altair, Valdecir, Juraci e Gilberto. Cinco deles nasceram em casa. Theodósio pegava o cavalo e ia buscar a parteira no município vizinho, São Valentim. Não tão distante, já que a família Favretto morava na divisa dos municípios, de um lado do rio Jacutinga e do outro São Valentim. Apenas o mais novo, "Beto", nasceu no hospital.
"A gente aprontava um monte. Primeiro a gente ia rezar o terço, todo mundo era bem religioso, depois a gente ia brincar, descia nos morros de terra em cima da tábua. Brincava de esconde e, pegava tambor e rolava dentro. Era melhor que as brincadeiras que tem hoje", frisou Nair. "Lembro que o 'Beto' escapou de casa uma vez 'tchó'. Fiquei com medo, era um perigo, tinha o rio perto. Daí um homem viu ele num mato perto da estrada e foi lá em casa pedir se a gente conhecia a criança. Fomos buscar o 'Beto', daí ele chegou em casa e disse que o homem falou pra ele 'Beto, vai pra casa que eu te pego', mas era mentira porque o homem nem conhecia ele, como ia saber o nome? Eles aprontavam um monte, se for contar tudo...", Maria afirmou e riu.
Theodósio sabia da importância do acesso à educação. Então, entrou em contato com o prefeito para construir a escola da comunidade, nomeada Castello Branco. "Cansei de fazer comida para o pessoal que ia trabalhar na obra. A gente falava com o prefeito, ele ajudava nós. Daí tudo era muito longe, eles não tinham como ir pra casa pra comer, então almoçavam junto", disse Maria. Após construída a escola, ainda era necessário ter uma professora. O prefeito chamou a professora Irma Galetti Garcia, do município de Campinas do Sul, mas ela não tinha como dar aula e voltar pra casa todos os dias. Logo, morou durante quatro anos com a família Favretto.
A iluminação pública na comunidade, Theodósio também conseguiu após conversar com o prefeito. Logo, Theodósio fez um financiamento no banco para conseguir instalar e, aos poucos, o banco devolveu o dinheiro pra ele. "Daí nós tinha de tudo, escola, salão de festa e energia. Nós aprendemos de tudo também, eu fazia as nossas roupas e se precisasse benzer alguém, eu também fazia. Pegava uma garrafinha de água e lenço e fazia", disse Maria. "Depois comprei a primeira televisão, era preto e branco ainda e, os vizinhos as vezes iam fazer "serão" três noites lá em casa só pra assistir", afirmou Theodósio.
"Tudo foi muito sofrido naquele tempo, mas foi bom. Aprendemos até falar italiano. Minha mãe se chamava Catarina Margarida e meu pai João. Meus avós por parte de mãe e pai e, os avós do Theodósio, vieram todos da Itália. Eu lembro bem do nome do meu vô, tem o mesmo nome do jornalista da tv, que gosto de assistir. André era o nome do vô. Ele e a vó, Palmira, demoraram 49 dias pra chegar ao Brasil, vieram na água", disse Maria. "O meu vô, até o nome de minha tia ele colocou de 'Itália' ", ressaltou Theodósio. "Meus dois manos se casaram com as duas manas do Theodósio. Imagina quanta história", concluiu Maria sobre todas as semelhanças da família dela e do marido.
Os filhos precisavam dar continuidade aos estudos. Logo, mudaram-se para Chapecó. O primeiro foi o Valdecir, e respectivamente, Ivone e o Altair. O filho mais novo veio com os pais em agosto de 1993. Por último, o Juraci mudou-se com a esposa. "Nós não pegamos a época da ditadura, ainda bem. No interior, pelo menos onde a gente morava, não teve. Só em municípios mais desenvolvidos. Quando chegamos aqui, os vizinhos comentaram que muita gente morreu injustamente. Diziam que colocavam farpa de madeira embaixo das unhas e tentavam convencer as pessoas a confessar um crime que não cometeram. Mas ainda bem, que não passamos e nem vimos isso", explicou Theodósio.
Em Chapecó, Theodósio, 80 anos, produz artesanato. Maria, 87 anos, revela a saudade de viver no interior. " Aqui em casa nem os pés se suja mais. Eu até hoje iria para roça porque eu tô enjoada de fazer crochê, já nem sei mais onde guardei as agulhas", ressaltou. Entretanto, agradece pela história e por tudo que conquistaram. Maria e Theodósio já pensam na festa que vão comemorar no próximo ano: 60 anos de casado, bodas de diamante. "É bom ter alguém que possa contar e repassar nossa história. Não queremos que se esqueçam disso", concluiu Maria. "Dona" Maria, concluo a reportagem assim: alguém vai contar, alguém vai repassar e, daqui dez anos, escrever sobre a comemoração de bodas de vinho, que pela tradição com certeza será a favorita. Felicidades ao casal!
Alessandra Favretto, Assessoria de Comunicação Cleiton Fossá
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