Chapecó – Os tons de pastel e rosa claro relembram as cores que caracterizavam os estabelecimentos antigos, muitas vezes registrados em fotografias ou reproduzidos nos cenários das novelas de época. Estruturas que com o passar do tempo se tornam precárias, mas que são testemunhas da história. Logo, valores éticos, morais e principalmente culturais, construídos durante décadas por pessoas que passaram especificamente “naquele local”, são justificavas que mantém estes espaços conservados.
Em 1930 foi fundada a Escola Marechal Bormann, que de acordo com historiadores, ficava localizada onde hoje é o Centro Recreativo Chapecoense (CRC). Meados 1950 a escola ganhou espaço ao lado da Catedral Santo Antônio, período das estradas de chão no centro da cidade, um lugar vasto rodeado por árvores, sem estabelecimentos comerciais e moradias.
Na mesma época, 24 de setembro de 1950, nasceu em Santo Ângelo (RS), Orlando Villa Sanches. Uma história cheia de conexões. Aos nove anos de idade, Orlando mudou-se para o Rio de Janeiro com o pai. “Eu morava em um município de terra batida, avermelhada. Fiquei encantado, porque de repente me vi em uma cidade de praias, com as ruas asfaltadas e pessoas que já viviam a adrenalina de torcer para grandes times de futebol, as torcidas do Flamengo e Fluminense”, disse.
O gaúcho, interessado pelas manifestações artísticas e culturais, prestigiou as apresentações das bandas marciais na capital carioca. “No Rio de Janeiro havia algumas práticas frequentes, os cidadãos tinham o hábito de organizar o ‘dia’ ou ‘semana da arte’ e pude acompanhar estes eventos”, ressaltou. A partir disto, despertou interesse pela música. Quando iniciou os estudos, Orlando entrou em contato com a banda marcial da escola. Entretanto, a idade se tornou uma barreira em relação à vontade do menino de fazer parte do conjunto. Logo, descobriu que para fazer parte da banda havia um pré-requisito, ele precisava atingir a idade mínima de 11 anos. Assim sendo, necessitou aguardar por dois anos.
Orlando criou alternativas autodidatas para não perder tempo. Acompanhou a banda em todas as oportunidades que teve. Na cozinha de casa encontrou os instrumentos para realizar os ensaios, as panelas. “Encontrei uma maneira de praticar o que eu sentia vontade. Prestei atenção nos detalhes, as bandas marciais tinham regras rígidas, assim como o ensino nas escolas. O erro e o comportamento eram motivos para que o instrutor aplicasse punições, era natural por exemplo ele puxar a orelha”, destacou.
Quando atingiu a idade para fazer parte da banda, Orlando já sabia tocar todos os instrumentos. “Mesmo tendo domínio, precisei iniciar pelo básico. Mas aos 11 anos, eu já tinha outro objetivo, outro sonho, mas parecia algo que não estava ao meu alcance: ser o chefe da banda”, salientou. Orlando não ficou no Rio de Janeiro por muito tempo, o seu pai foi transferido para Santo Ângelo. “Recebi uma boa notícia do pai, ele decidiu contribuir para a formação de uma escola cenecista”, ressaltou. Logo, Orlando participou da banda.
Antes de seguir outro rumo, ensinou para os colegas todos os instrumentos que aprendeu a tocar. Em seguida, passou a prestar serviço no exército. “Conquistei aos poucos os oficiais, fiz coisas que eles admiravam”, disse. O capitão criou o grêmio para que pudessem decidir o que fazer nas noites livres. “Senti medo, mas fui erguendo a mão aos poucos e sugeri jogar xadrez”, salientou. Orlando arregalou os olhos quando lembrou o alívio que sentiu quando o capitão concordou com a sugestão, ainda fez questão de frisar que ficou encantado com o tabuleiro de marfim. “As peças deslizavam na pedra de cristal”, afirmou.
Com tantas brincadeiras de criança, Orlando não gostava da ideia de seu pai ensinar a jogar xadrez, ressalta que para ele sempre foi um castigo. Entretanto, passou a admirar a paciência do pai para ensiná-lo. Por consequência, o tempo também foi aprendizado. O jogo deixou de ser uma punição, foi transformado em amor. Motivo pelo qual sugeriu a partida e também garantiu a vitória na competição contra o capitão. Orlando salientou, "Fiquei mais próximo do capitão após a partida. Acredito que percebeu um estrategista naquele momento. No exército eu era chamado de ‘Sanches’. Lembro que ele me chamou e proibiu que eu continuasse a minha função, fui proibido de faxinar e convidado para participar da banda”.
Em 1990, Orlando, aposentou-se do exército e iniciou outro capítulo de sua história em Chapecó. Os dois filhos acompanharam o pai. Felipe Villa Sanches, o primeiro filho de Orlando, ficou apaixonado pela música e fez um pedido. “Ele tentou transmitir o quanto a música era mágica e fui seduzido por esse universo”, destacou Felipe. A história da Banda do Marechal iniciou a partir da dedicação de Orlando para realizar o sonho do filho. Em 1992, Felipe repetiu os movimentos do pai, que produzia os sons no parapeito do Edifício Borsatto.
Orlando sugeriu a criação da banda marcial para a diretora da escola. Assim sendo, ela ficou contente com a ideia e aceitou a proposta. De acordo com Orlando, conseguir os instrumentos foi o seu maior desafio. Porém, pediu doações e mesmo os instrumentos deteriorados puderam ser utilizados. Este projeto, totalmente voluntário, ganhou o apoio de um empresário de Chapecó. Oracílio Costella levou sua filha para os ensaios, foi então que percebeu a necessidade de garantir bons instrumentos para a banda. Orlando foi a uma loja e escolheu seis, mas Oracílio comprou os 42 instrumentos que estavam à venda.
“Lembro que às vezes nossa família ficava brava com o pai. Se precisasse de três ônibus para um festival, ele pedia ajuda do governo, que prometia oferecer esses ônibus para que os integrantes da banda pudessem participar do evento. Mas nem sempre eles pagavam todo o investimento, daí o pai tirava do bolso para garantir as viagens”, ressaltou Willian Villa Sanches. Inclusive, de acordo com Felipe, Orlando teve uma dívida de 20 mil reais para garantir o uniforme para todas as crianças e dar continuidade ao encanto da música.
As estratégias foram válidas, a banda do Orlando segue firme ensaiando todos os sábados e domingos. Até mesmo no período de férias os integrantes se dedicam a banda do Marechal. Todos os fins de semana, faça chuva ou faça sol, eles sabem que o compromisso é com o Orlando Sanches, instrutor que dedica e partilha há 26 anos o amor pela música. Orlando Sanches, que deixou de lado os pré-requisitos. Os que desejam participar da banda, não precisam ficar preocupados com a regra de atingir a idade mínima. A única ferramenta necessária para este trabalho é o amor, a vontade de aprender e tornar o sonho realidade. Sete de setembro, todos preparados para a apresentação, dos ensaios que exige dos participantes tanta dedicação, restou as palavras do Sr. Orlando, “Sinto orgulho de vocês, estão de parabéns, apresentaram o trabalho que fizeram o ano todo”, concluiu.
Alessandra Favretto, Assessoria de Comunicação Cleiton Fossá