Postado em 29 de Junho de 2018 às 09h47

Uma carta virtual: conheça a história da mulher que não tem nome

Cleiton Fossá Chapecó – Desconfiada, bem como maior parte dos brasileiros quando o assunto é política. Neste mundo, há político que se aproveita da máquina pública, há também...

Chapecó – Desconfiada, bem como maior parte dos brasileiros quando o assunto é política. Neste mundo, há político que se aproveita da máquina pública, há também os que carregam a família para dentro do poder, e sem contar os que resolvem tomar conta, que pensam que executar é o mesmo que fiscalizar e criar leis municipais. Que troca-troca é este de poder?

Ela tem motivos para desconfiar. Ela percebe um cenário que parece ir contra, ou que tira proveito da população. Ou os bons pagam pelos ruins, ou a laranja podre estraga o restante. Não tem muita opção. Porém, a luta sempre é válida para que a quitanda não estrague. Deixa desconfiar, pois isto pesa no voto. Sinal de que alguém está de olho.

Ela não tem nome. É bom ressaltar, hoje ela não tem nome porque não quer ter. O que ela tem é uma história. Talvez no cenário político, ela seja como a Chapeuzinho Vermelho: evita andar pela floresta para não encontrar o lobo. Assim sendo, optou por viajar no tempo. Neste sentido, seguiu os passos de Pero Vaz de Caminha. Decidiu escrever uma carta, mas não como escrivã de Pedro Álvares Cabral e sim, como autora de sua própria vida.

 

“Olá! Devo frisar que tínhamos recentemente chegado de Curitiba, o motivo: a separação dos meus pais. Minha mãe tinha sete filhos, chegou a Chapecó com a ajuda de um primo, que pagou o aluguel até que ela conseguisse um trabalho. Ela não se relacionou com ninguém, nos educou sozinha.

Em 1997 a realidade da cidade era bem diferente do que vivemos hoje, o bairro era extremamente perigoso, e todos os moradores sofriam preconceito por morar nessa região. Por consequência, arrumar um trabalho era muito difícil. Tanto que tivemos a experiência, minha mãe demorou para conseguir. Inclusive, lembro-me que muitas pessoas mentiam seus endereços para garantir uma vaga de trabalho.

A realidade do País, em si, era muito diferente para as classes mais carentes, então nós sofremos bastante, lembro que nossas melhores refeições eram na escola, que as melhores roupas que tínhamos sempre eram aquelas que ganhávamos dos vizinhos ou professores. Porém, mesmo passando por dificuldades e convivendo no meio de pessoas ligadas ao crime, as drogas ou prostituição, nunca nos envolvemos com coisas erradas, éramos amigos de pessoas assim, mas minha mãe sempre estava ao lado cuidando, ensinando e ‘pegando no pé’. Ela nos cobrava todos os dias sobre a escola, sobre a educação para com os professores, todos os dias repetia as mesmas coisas, isto nos ajudou muito.

Pela parte do dia minha mãe era doméstica e a noite era catadora de materiais recicláveis, sempre com ajuda dos meus irmãos. Para nós isso não era um trabalho, era uma forma de honrarmos nossa mãe, de ajudá-la a aliviar o fardo de cuidar de uma família sozinha, recolher os materiais a noite era uma diversão para nós.

Foi assim que descobriu uma ONG que comprava materiais recicláveis e tinha projetos sociais, motivo pelo qual, aos 13 anos, consegui uma vaga no programa de reciclagem, já que na época não havia tantos projetos nos bairros próximos e a demanda era muito alta, era bem difícil se inserir nestes programas.

Quando fui aceita, muitas coisas passaram a melhorar. Eu, a mais velha da turma no colegial, tinha muitas responsabilidades desde os sete anos. Além disto, muitos traumas, medos e inseguranças. Deste modo, minha mãe e meus irmãos eram os únicos que ouviam minha voz. Na escola minha mãe foi chamada algumas vezes por eu não me comunicar com ninguém, nos momentos da chamada eu levantava a mão e não respondia ‘presente’. Iniciei minhas atividades e os meus primeiros desafios foram superar esta situação.

Nós recebíamos uma bolsa de R$ 60 e muitas doações de alimentos, o que contribuiu para a qualidade de vida da nossa família. Verduras e frutas não faziam parte das compras da minha mãe, pois eram caras demais, mas ao entrar no programa passamos a ter esse tipo de alimento, parece ser tão simples, mas isso fez muita diferença para minha família, bem como na vida dos adolescentes que hoje participam do projeto.

Eu tinha quase 16 anos quando parei de participar. Logo, iniciei meu primeiro trabalho como menor aprendiz em uma empresa de bebidas. Trabalhei nove meses, e após fui contratada como telefonista. Ainda tímida, conversava o necessário, nunca havia pego um telefone na mão, aliás, não tínhamos nem televisão em casa, não entendia absolutamente nada sobre empresas, pessoas influentes ou do que estava por vir. Superei muitas situações, às vezes me escondia no banheiro para chorar, mas sempre pensava ‘não vou decepcionar as pessoas que me ajudaram’.

Como se não bastasse, o trajeto de casa para o trabalho era longo. Eu não tinha dinheiro para almoçar em restaurantes, então levava bolacha recheada ou pastel feito em casa quando a mãe conseguia comprar carne. Às vezes ficava triste com estas situações, mas suportei. Lembro que eu pensava ‘Isso vai passar! Logo eu entro na faculdade, vai mudar tudo’.

Passei no vestibular e iniciei a faculdade. O salário que eu ganhava não era o suficiente para pagar a mensalidade e os materiais. Ainda, ganhei apenas a metade da bolsa então minha mãe me ajudou muitas vezes. Eu saia com ela coletar materiais recicláveis quando não tinha aula, ou nos finais de semana, às vezes dizia que não tinha trabalho da faculdade para poder ajudar ela, pois ela fazia de tudo para me ajudar também.

Era comum eu ir para a aula sem comer, geralmente o que me sustentava era bolacha recheada, passava muito mal, tomava água para disfarçar a fome e aguentar ficar na sala, isto me ocasionou problemas de nutrição e alteração no sistema nervoso. Então tudo ficou mais complicado, eu ia com sono para aula, levantava as cinco da manhã e chegava em casa meia-noite. Para frequentar a faculdade muitas vezes usei os passes de lotação que eu ganhava do trabalho. Por falta de dinheiro era difícil garantir os passes de estudante, tanto que voltei várias vezes de a pé para casa.

Passei praticamente cinco anos da minha vida chorando todas as vezes que descia a rua da minha casa após a faculdade. Meu chefe me ajudou muitas vezes, além dele, uma das professoras chegou a me emprestar dinheiro para que eu não trancasse o curso.
Vivi momentos difíceis, tudo isso foi bastante pesado. Lembro que muitas vezes passei a madrugada chorando, mas onde minha mãe não pudesse ver. Porém, sempre busquei força para superar. Os conselhos da mãe sempre foram muito importantes. Deus ajudou quando eu não aguentava mais. Pensei nos meus irmãos, eu queria mostrar para eles que era possível nós sermos alguém na vida mesmo sendo pobres.

Quando estava para terminar a faculdade, faltando um ano pedi para sair da empresa, meu projeto de TCC exigia mais tempo por ser uma pesquisa de campo muito longa, então comecei a trabalhar como doméstica meio período e a tarde fazia as pesquisas. Entretanto, recebi uma ligação do projeto o qual eu já tinha feito parte, fui convidada para trabalhar na ONG. Retornei então como auxiliar administrativo, um ano como coordenadora do projeto com adolescentes e, hoje assistente social”.

 

O “Inspire-se” deste mês foi baseado na história de alguém que preferiu não se identificar. Uma mulher que desde muito nova lutou para conquistar o cargo que ocupa. Talvez você se identifique com esta história. É possível que assim como a nossa personagem você não queira relacionar o seu nome com ideologias políticas, consequência da insegurança em relação ao nosso cenário político. O mandato do vereador Cleiton Fossá compreende e respeita. É essencial frisar: precisamos contar histórias. Logo, neste caso, a identificação não é necessária, pois o que se sobressai é o exemplo, os sentimentos e a persistência, o que de fato precisamos partilhar.

 

Alessandra Favretto, Assessoria de Comunicação Cleiton Fossá

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